domingo, junho 26, 2005

fim do fim de semana


in

a música há muito tempo se extinguiu. comeu os frutos frescos que comprara. deixou o ar entrar pela janela. vestiu-se de pudor e adormeceu.

sábado, junho 25, 2005

tempo



o soalho aquece à luz de inverno.

mas é verão. talvez. só que hoje a luz que viola os vidros duplos, não tem outra cor que não seja a de inverno. a temperatura é que difere. apenas.

que acalmia de alma lhe advem de estar assim, numa solidão doce como se o seu leito não fosse o soalho, as tiras de madeira, mas a terra!

o tempo. o tempo é o que parece ser.

hoje ela é uma mulher serena e é inverno lá fora. a sua casa de madeira o quente e sereno aconchego.

o piano que em fundo ouve, sacia a sede de arte que nunca a abandona.

inverno na luz no som e no silêncio.

o tempo hoje fez o seu jogo e ali mesmo, no chão, irá adormecer.



quinta-feira, junho 23, 2005

chamas.

ontem a lua era da cor do fogo fronteira ao fogo do sol a por-se dentro ao mar. a água tinha reflexos vermelhos, ardia ou dava essa ilusão.as breves nuvens eram da cor do sol. e tudo encandeava. tudo parecia uma fogueira só.

fui para casa, fechei os olhos.

- não devia ter olhado tão directamente os astros, vejo tudo em tons de alaranjado e luzes, luzes.

dei comigo a pensar. tantas coisas do mundo onde eu habito me inundaram de um rubor de impotência e raiva. ardeu-me o rosto.


Barbara Luck

recorri à música, mas era tropical, que mais dizer? toda a casa foi invadida por notas musicais quentes impulsivas a obrigar-nos a bater o pé no chão ou baloiçar no ardor do ritmo.


encarnado. alaranjado. amarelo.

chamas!

o calor permitiu-me um descanso leve apenas. ardem-me os olhos de pouco dormir.

afinal tudo ardeu, tudo ainda arde num rescaldo longo.

e que fiz eu?

quarta-feira, junho 22, 2005

hoje não vou escrever. para quê?


Green Cornfield and Farm by Michael Hoza.

deixo só uma imagem de oferta a todas as crianças a quem roubaram o direito de correr em estrada recta, direitas ao horizonte azul, por verdes prados.

a vida é lá à frente!

amo-as a todas!

terça-feira, junho 21, 2005

irmãs.

a morte e a liberdade. pensa nelas com igual afecto ou desencanto.

ambas, se entram em nós, entram de vez. ambas só vêm quando têm que vir, ou bem à força da nossa vontade irredutível.

estava exausta. os últimos anos de doença tinham esgotado toda a energia que muitas vezes a distinguira da maioria das mulheres.

lutara para ser livre.

primeiro para libertar-se do ventre da mãe e daquele cordão a querer prendê-la ainda. depois para conseguir na sociedade o seu espaço sem vergonha no olhar ou cabeça caída.
desde sempre, então. era verdade.

mas agora era altura de sair de cena.

tinha um mundo inteiro de razões aceitáveis contra ela.

- eu não aguento mais!

seria um grito se tivesse ainda força para o dar. carregar desajeitadamente o botão da campaínha está bem longe de se parecer com
gritar.

- é cobardia, dizem. e que sabem? que sabem deste estado já meio vegetal onde por mais amigo, já ninguém nos pode acompanhar?

Deus. é verdade, Deus! então e o livre arbitrio, é só uma palavra a não usar?

tinha pedido que a não acordassem antes que chamasse. queria descansar.

olhou o espelho na mesinha ao lado e sorriu a si própria.

- adeus vida, foi bom por cá andar.



Woman With Bird - by Anastas Kamburov

quando entraram no quarto para a medicação à hora certa, ela tinha unido em si duas irmãs, a liberdade e a morte.

tão bela de se ver. mais livre agora.

segunda-feira, junho 20, 2005

o cárcere

quando voava via tudo de longe.


quando voava encontrava silèncio nas escarpas. no topo das árvores mais altas. olhava da distância e tudo era bonito, até os homens.


quando voava...


tinha dado trabalho a construção do ninho mas, voava.


agora. junto aos homens, olhando-os nos olhos, perdera o rumo a casa. de onde era?


que ventos ardilosos a tinham retirado dos fortes golpes de asa a que se acostumara desde sempre?


que árvores eram aquelas? um jardim.


que janela era aquela? guilhotina.


que homem estranho era aquele? diziam, diziam vozes à volta que era o seu.


mas como, porque magia louca iria um absurdo tal acontecer?


- os miúdos já se deitaram, estás com sono?
- estou só a terminar este parágrafo. vá-se deitando vá. eu já lá vou. boa noite caso adormeça antes.
- boa noite.


quando voava...

mas onde tinha ela posto as asas?

sobreviver


Woman Tending Her Spirit - by Renee Rhodes


era urgente na hora. viver sabia ela ser diferente, mas resistir bastava. assim o conseguisse.

entrara numa história de amor de olhos vendados. não será sempre assim? dizem que não. com ela foi.

nos dois primeiros anos era difícil ser-se mais feliz. (ela já fora, mas sabia ser milagre a nunca repetir...). depois... depois nem deu tempo a que se apercebesse.

o homem era educado. calmo. controlado. nada fazia prever qualquer mudança.
e, no entanto, ela crescia dentro dele como hera trepando em muro alto. até o apertar com as gavinhas de uma dor aos outros difícil, impossível de entender.

a mulher acariciava-lhe todos os silêncios. queria tratar as feridas que doíam. mas ele não sabia onde doía o quê.

nos olhos azuis, doces do seu homem, cada vez se via menos reflectida. não só ela, a vida!

na solidão do quarto, onde mais ninguém a poderia ver, ouvia música e já nem lia, chorava. até os olhos lhe doerem e os fechar.

olhava o relógio sobre a mesa, quase hora do regresso dele. então embalava-se a si própria para ganhar coragem e correr para a porta a sorrir.

- olá amor, como foi o teu dia hoje?

subiam a escada de mão dada. eles tinham-se olhado. para quê responder?

domingo, junho 19, 2005

diálogo?


Portrait of Woman in Red - KEES

- estás tão silencioso...
- estou a ouvi-la.
- podias responder. sinto-me a falar para o vazio. oiço o meu eco.
ainda por cima com os olhos fechados... queres dormir? se queres baixo os estores e vou para outro lado. o que não falta é espaço nesta casa...
- não, obrigado. já disse, estou a ouvi-la.
- já nem sei que dizia.
- pronto. amuou.
- não amuei nada. simplesmente esqueci.
- falava do bresson.
- é verdade. ele e não só ele, para quem gosta de teatro, anulam os actores..
- ele é realizador. não é encenador.
- não era disso que falava. sei a diferença. você gosta dos filmes de...
levantou-se. foi buscar um copo de leite e chocolate preto. não perguntou à mulher se queria ou não e voltou a sentar-se. continuou em silêncio. trincando grandes pedaços de chocolate.
ela não retomou o tema ou qualquer outro. não valeria a pena.
dias. noites. dias de siêncios até as depressões subitamente chegararem a uma espécie de temporário fim.

- M. vamos à praia hoje com os miúdos?
- dói-me a cabeça , muito! ainda por cima é domingo. eu odeio os domingos na praia, você sabe. estamos de férias, há a semana toda...
- sabe, você dantes era divertida, ria muito. agora parece sempre triste.
eu estou bem e você nisso.

ela dantes.
ela dantes era uma rapariga feliz que não passava os dias, as noites, os dias, a falar sozinha. com o marido.

domingo

devo ter nascido a um domingo tão pouco gosto do dia.

se tivesse a benção de ser artista ocupava-me a descrever o domindo e os outros dias em letras tintas notas musicais, mas nem isso o criador quis para mim.

caminho sobre fragas há tantos anos já que lhes perdi o conto!

por gosto, para não me perder, para lhes tomar o peso e saber da textura, colecciono pedras, todas as pedras em que tropeço, e eu tropeço tantas vezes!

tenho o soalho pejado de pedras, vindas de todo os cantos do mundo que visitei. caixas com pedras. taças de cristal com pedras, as mais coloridas, as mais frágeis.


- louca?

claro que sou. se o não fosse estaria noutro sítio e não aqui olhando o brilho de uma ametista grande e a ouvir vivaldi.

mas as pedras não são os seres mortos que aprendemos na escola. as pedras vibram. conheço a vibração de cada pedra. e mesmo as pedras mais sem graça como o são as do tino calceteiro (que tem bem menos graça do que as pedras, verdade seja dita), mesmo essas dizia, nos espantam com o que do meio delas é possível surgir.

do meio delas e só do meio delas: cactos, cheios de picos, mas que se abrem em flor.



mas depois de tudo, é domingo. não gosto dos domingos e nem tenho uma arte que me sirva para dizer que passava bem sem os domingos mas sem as pedras não.

estava tão simplesmente



Head of a Young Woman - Leonardo da Vinci


alinhando memórias de quando não doía tanto ver ou pensar.
não esperava nada de ninguém. quem estaria interessado nessas velhas histórias senão eu que para as não perder, decidira contar.
mas nada do que parece simples o é de facto.
e vieram os rótulos e os embaraços naturais de os negar.
e vieram raivas sei lá de onde trazidas.
e veio o meu cansaço, afinal, eu estava ali para repousar.
oh, velho casario branquinho o que desencadeaste... e eu que só pretendia encontrar mais gente para te amar...

não vejam em mim nada, por favor.
afinal eu não estou aqui a incomodar. há tanto espaço solto nesta rede enleada.

deixem só que também o meu novelo continue a rolar.

que sede


foto daqui

de poder também estender-me assim em macias areias. mas eu vivo nas escarpas. não quero correr o risco de adormecer.
não podem ferir-me mais. não posso permitir. não permito!
enfim, eu não peço mais que paz.
é tão difícil assim de se entender?

sábado, junho 18, 2005

ora pronto!

querias um blog só para ti, que é o que está na moda? aí o tens!

o problema é saberes o que fazer com ele.

ainda por cima está um calor miserável e não trataste do ar condicionado.

dispo-me?

pois claro. eles não podem ver. além de que ainda ninguém sequer sabe que isto aqui está.

então vou-me despir e já volto.